segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

ENXOFRE ABISSAL 1996

1-3 - hidrotermais-1-pi> = pistas de investigação terça-feira, 25 de Dezembro de 2007

PROJECTO DO LABORATÓRIO DA GUIA NO MAR DOS AÇORES

ORIGEM DA VIDA PODE ESTAR A 2500 METROS DE PROFUNDIDADE

Esta entrevista com o Prof. Luís Saldanha, realizada pelo jornalista Afonso Cautela, foi publicada no jornal «A Capital», em 20 de Janeiro de 1996

Fontes hidrotermais à superfície da terra conhecem-se há muito e Portugal é particularmente rico nessas estâncias de cura e recreio. As águas sulfurosas fazem bem a quase tudo o que é maleita ou enxaqueca. Hidrotermalismo a profundidades oceânicas é uma novidade absoluta, mesmo para os oceanógrafos mais habilitados do Laboratório Marítimo da Guia, em Cascais. Eles querem conhecer melhor essas fontes que, brotando dos fundos oceânicos, podem ser o anúncio de formas de vida inéditas. Uma espécie de «outro planeta» no fundo do mar.
Daí, a expectativa que reina nesta equipa de cientistas, relativamente à aprovação, pelo programa Praxis, de um ambicioso projecto de investigação que visa exactamente averiguar a existência e estudar as jazidas hidrotermais do mar dos Açores, a 2500 metros de profundidade.
«De todos os projectos de investigação que temos no Laboratório da Guia - diz o Prof. Luís Saldanha - este do hidrotermalismo profundo é, de facto, o meu preferido. E se não conseguirmos que o programa Praxis o aprove já para 1996, corremos o risco de os americanos lá chegarem primeiro.»
Com Luís Saldanha, lideram este grande projecto, com financiamentos da União Europeia, dois outros especialistas: Luís Mendes Vítor e Fernando Barriga.

CHEGAR PRIMEIRO

Nos Açores como no Índico, é uma questão de chegar primeiro. Por enquanto, e de acordo com o que já se verificou, há indícios de um campo hidrotermal, numa área que os cientistas americanos designaram pela sigla AMAR (American Mid Atlantic Ridge).
«Vamos para o mar com muita frequência» - diz Luís Saldanha, que confessa a sua paixão de ecologista pela natureza e o seu gosto de viajar. À superfície ou a profundidades abissais, para ele é quase indiferente. Um mergulhador, de facto, cria uma segunda natureza e os ambientes extremos não o atemorizam. Para quem já mergulhou, praticamente, em todos os oceanos. do mundo, ir ao mar dos Açores em missão de pesquisa e descoberta é pouca coisa.
Mas para levar em frente o projecto do hidrotermalismo profundo, não chegam os valiosos recursos humanos que o laboratório possui: só com as verbas do Praxis. Mesmo dividido em duas campanhas de dois anos, de 60 mil contos cada uma, continua a ter custos elevados para o orçamento da ciência portuguesa e o ministério de Mariano Gago. Só a União Europeia nos pode valer nestas aventuras de alto gabarito, a profundidades abissais.
«Cada mergulho do submersível (batiscafo para três pessoas) custa 4500 contos de aluguer à IFREMER, para amigos, porque o preço normal é de 6000» - adianta Luís Saldanha. «Mas um outro aparelho que é preciso alugar, Remote Operated Vehicule (ROV) , custa por dia entre dois mil e três mil contos.

OS ALQUIMISTAS TINHAM RAZÃO

Mas tais custos justificam-se perfeitamente pelo altíssimo interesse do projecto: não se trata só de investigar, pela primeira vez, como se comportam as fontes hidrotermais a grandes profundidades, mas de saber em que medida um meio ambiente extremo, onde não chega a luz solar, pode gerar formas de vida próprias.
Para quem, como nós, não sabia desta «colossal criação ex-nihilo, o espanto é total: as formas de vida que se conhecem a grandes profundidades são originárias da superfície; não são, portanto, geradas in loco. No caso das fontes hidrotermais, a vida é fabricada aí mesmo.
E quem, se não o enxofre - um dos três princípios da criação, segundo os alquimistas - poderia ser o responsável por essa vida abissal?
Luís Saldanha afirma-o peremptoriamente: «A verdade é que há uma quantidade enorme de organismos, em torno das chaminés hidrotermais, e só a presença de compostos de enxofre os pode explicar. Bactérias que asseguram, num sítio sem luz, toda a produção da matéria orgânica, em fundos abissais, utilizam esses compostos.»
Se isso irá explicar ou não o grande enigma da origem da vida, já é para Luís Saldanha muito mais problemático:
«Tem-se especulado sobre isso mas há uma corrente que se opõe.»
Compreendemos: há mistérios, mesmo o da vida, que devem permanecer mistérios por toda a eternidade.

RECURSOS HUMANOS NÃO FALTAM

Cerca de 50 cientistas irão participar nestes trabalhos, grande parte dos quais recrutados no próprio Laboratório Marítimo da Guia, rico em valores e vocações oceanográficas.
Recursos humanos é o que não falta na Guia, verdadeira «maternidade» de cientistas que o prof. Luís Saldanha tem orgulho em mostrar ao País e ao mundo:
«O LMG é um referencial para o País. Eu era investigador da Faculdade de Ciências, onde introduzi a cadeira de Oceanografia Biológica em 1975. Tinha-me doutorado em Outubro de 1974, poucos meses depois do 25 de Abril, e foi com os estudantes meus alunos que, anos depois, refiz este Laboratório, que se encontrava fechado. O incêndio da Faculdade de Ciências (na Rua da Escola Politécnica), deixando-nos sem laboratório, foi mais um empurrão para que isso acontecesse.»

CONTACTOS INTERNACIONAIS

O Laboratório Marítimo da Guia, que organiza o próximo simpósio comemorativo da Oceanografia Portuguesa, de 1 a 3 de Fevereiro (e que «A Capital» já noticiou), está praticamente em contacto com todo o mundo das ciências do mar.