sábado, 9 de fevereiro de 2008

MEGALITOS 1990

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PISTA INÉDITA NA INVESTIGAÇÃO ARQUEOLÓGICA
ALINHAMENTO DE MEGALITOS SUGERE EXISTÊNCIA DE PLANO(*)

(*) Esta entrevista realizada por Afonso Cautela, foi publicada no jornal «A Capital» , 18-5-1990

«Este conjunto de cinco estações importantíssimas no megalitismo do Alto Alentejo - os pólos de Évora e Monsaraz (Reguengos) - não é obra do acaso e a sua implantação deve ter correspondido a um plano disse a «A Capital» o Dr. Manuel João Calado, investigador da Unidade de Arqueologia (Uniarq) do Centro de Arqueologia e História da Faculdade de Letras de Lisboa, a propósito da comunicação que hoje apresenta ao Congresso de Arqueologia, a decorrer em Lisboa, sobre o tema, «Aspectos do Megalitismo Alentejano».
Praticamente inédito entre nós é que se tenha tentado descobrir o alinhamento existente entre os diversos monumentos megalíticos e estabelecer linhas rectas cuja ordenação lógica salta à vista, ainda que fiquem por explicar os motivos que levaram os nossos ancestrais a seguir esse rigor «geométrico» na implantação dos seus cromeleques e menires.

- «As antas, sinal de povoamento, viriam muito depois», adianta Manuel João Calado, desafiando também, com a sua tese, as cronologias mais ou menos estabelecidas nos meios da ciência arqueológica.
«E sendo assim - prossegue -, se os cromeleques e menires correspondem a épocas muito anteriores ao povoamento, é inegável o papel que se lhes deve atribuir, que tem de se lhes atribuir como "fundação do território".»

Usando sempre da prudência necessária a um cientista e evitando a expressão «sacralizar o território», Manuel João Calado declara, no entanto, com firmeza:

«Uma coisa é certa: os menires são o aspecto mais antigo do megalitismo alentejano e destinavam-se, sem dúvida, a "sacralizar" o espaço, antes de qualquer povoamento ou construção. Para esses povos, tratava-se de transformar o caos em cosmo.»
E acrescenta: «O menir corresponde ao "axis mundi", pelo que é o primeiro momento da instalação num território e, portanto, anterior às antas.»

«CHEGAR A UM SÍTIO E MARCÁ-LO»

Sem esconder o fascínio que estas teses podem naturalmente produzir em espíritos que, para lá das pedras, procuram a energia primordial que em lugares selectos do mundo se torna mais explícita e vibrante, o investigador Manuel João Calado compara esses megalitos, inclusive pela sua forma física, aos «padrões das descobertas que os portugueses iriam deixando pelo mundo». E afirma:
- Chegar a um sítio e marcá-lo é absolutamente necessário para quem viaja num mundo ainda desconhecido.

«Ora isto contradiz tudo o que até agora a ciência arqueológica, em Portugal, admitia sobre menires e sua antiguidade.»

De facto, a pesquisa arqueológica em Portugal pouco ou nada tem adiantado, até agora, no sentido de procurar relações espaciais (lógicas?) entre vários monumentos, até estabelecer uma rede de linhas cruzadas que indubitavelmente corresponde a estruturas geométricas. Pelo que a comunicação apresentada agora ao congresso de arqueologia, assume foros de novidade e ineditismo.

ODRINHAS (SINTRA) TAMBÉM NA LINHA

O exemplo dado por Manuel João Calado, para ilustrar a sua tese, foi colhido na zona de que é natural e que, por acaso, é a maior concentração de antas do Alentejo e, eventualmente, da Europa.

Munido de cartas do Serviço Cartográfico do Exército, ele lançou-se à «aventura», rigorosamente controlado pela razão de tentar estabelecer alinhamentos.
Escolheu os dois maiores cromeleques a nível nacional e da Península, o de Almendres e o de Xerez, que ficariam no extremo de uma linha recta. Acontece que, exactamente no centro dessa recta, aparece uma rocha com decorações pré-históricas (inscrições ainda por decifrar?), a chamada, pela arqueologia, «rocha das covinhas».
A meio de cada uma das «metades» assim constituídas, surgem, por sua vez, localizados outros dois cromeleques ou recintos megalíticos de extraordinária importância - Chaminé e Perdigões.
Mais: prosseguindo em linha recta, até à península de Lisboa, vamos «esbarrar» no único recinto megalítico conhecido nesta península: o cromeleque da Barreira (Odrinhas - Sintra).

O «AXIS MUNDI» DE UM ESPAÇO SAGRADO

E pronto: o trabalho do arqueólogo é verificar o verificável. Quanto às interpretações destes factos, no mínimo «inquietantes», outros que as tirem.
Por isso, Manuel João Calado propõe «modelos explicativos» que permitam «uma aproximação científica capaz de esclarecer aquele fenómeno», levando-nos a perguntar:
Destinar-se-iam os menires e cromeleques a orientação astronómica?
Seria um alinhamento em função da geologia? Ou em função dos solos?
Ou tratar-se-ia de uma «implantação em função de caminhos naturais»?
Ao falar da «função simbólica» dos menires, em estreita relação com os referidos alinhamentos, o investigador socorre-se do prestigioso Mircea Eliade, que os interpreta como elementos da «organização religiosa do espaço, centrada nos pilares sagrados, considerados como um «axis mundi», isto é, como «uma espécie de omphalos (umbigo) ou centro do mundo», «ordenando o caos e organizando o espaço».
Sem isto e como Mircea Eliade também relata, a vida não seria possível, e se esses «axis mundi» se perdessem, por catástrofe ou acaso, morreriam os povos que à sua «sombra» se tivessem implantado.
Daí que a questão da cronologia seja tão importante, neste caso, apesar de a arqueologia estar, até agora, desatenta:

«Não se têm assumido - declara Manuel João Calado - as implicações de uma tal leitura, isto é, que os organizadores do espaço, os menires, participam de um certo ritual de fundação e são, portanto, anteriores às outras manifestações de ocupação de um dado espaço que lhes estejam associadas.»

Conclusão lógica do investigador:

«Os menires poderiam, assim, representar os primeiros momentos da ocupação da região pelas gentes megalíticas, desempenhando, enquanto elementos definidores do espaço, um papel de aproximação/identificação "semelhante" ao dos padrões dos descobrimentos.»
Em relação ao alinhamento traçado pelo investigador, o recinto megalítico do Xerez (Monsaraz) localiza-se na cota mais baixa, enquanto o do Almendres, no extremo oposto, se situa na cota mais alta.
A linha recta estabelecida entre os mais importantes cromeleques do Alto Alentejo - Xerez e Almendres - significa apenas o ponto de partida para uma linha de investigação que pode levar a ciência arqueológica a novas e surpreendentes descobertas.
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(*) Esta entrevista realizada por Afonso Cautela, foi publicada no jornal «A Capital» , 18-5-1990