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ANTECEDENTES DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA: LEITURAS EM 1971
Leituras de livros e autores que em 1971 suscitavam o interesse de algumas pessoas em Portugal, dão exemplo das ideias que, lentamente, foram confluindo na constelação ecologista e, portanto, no movimento ecologista do pós 25 de Abril.
Teilhard de Chardin, Arnold Toynbee e Theodore Roszack, este último com a sua polémica expressão de «contra cultura», são três autores a sublinhar e que o diário de um militante registava, em Maio e Setembro de 1971.
I
CIÊNCIA E CONSCIÊNCIA EM TEILHARD E TOYNBEE
Lisboa, 24/Maio/1971 - Se os mais eruditos e sábios, se os mais sabedores e prudentes revelam, por vezes, em aspectos decisivos, uma mentalidade retrógrada, como não há-de isso acontecer aos pobres de espírito, entre os quais me incluo?
Admiro Teilhard de Chardin e Arnold Toynbee. A formação básica de ambos é a do cientista, é experimental e positiva, nada de românticos delíquios ou desvios poéticos. Quando extrapolam, fazem-no como prudentes filósofos e pode confiar-se na sua lógica sem sofismas. Iria pensar, portanto, que eles não podiam ter pensamentos retrógrados.
No entanto, em matérias-chave - como o racismo ou a cirurgia das transplantações - a sua atitude aparece ingénua, incrítica, idolátrica mesmo. Sujeita aos preconceitos mais primários. Aos slogans de massas mais vulgares. Aos estereótipos mais abomináveis.
Como é isto? Como é possível que individualidades tão libertas dos lugares-comuns onde se movem as massas, as massas governadas pelos mass media e por eles envenenadas, revelem iguais sintomas de igual intoxicação?
Já escrevi a respeito de Teilhard de Chardin. É a vez de citar Arnold Toybee e de me perguntar com insistência como é possível a cérebros tão esclarecidos, tão informados, tão preparados cientificamente, manifestarem, a respeito de certos pontos-teste, de certos problemas decisivos, atitudes tão pouco elaboradas e opiniões tão pouco críticas, opiniões tão próximas das do rebanho?
Será que a preparação científica nem sempre significa preparação crítica? Será mesmo que nada ou pouco tem a ver uma com a outra?
Lembro-me que surpresa igual se pode ter lendo, por exemplo, as páginas de Bertrand Russell sobre moral sexual, ou as de Einstein sobre epistemologia. E concluo que a mentalidade é qualquer coisa que funciona independentemente da ciência ou sapiência de cada um. Que a ciência não é (sempre ) inteligência. Que consciência não pode coincidir e raramente coincide com informação, com especialidade, com técnica.
A tonalidade geral de um pensamento - ou tónica da personalidade - funciona então independentemente da base informacional?
Se personalidades como essas revelam tais falhanços de mentalidade, tal estreiteza crítica, que será de nós outros, mesquinhas criaturas e pobres mortais que andam sempre aprendendo sem nada saber?
Por outro lado, se a mentalidade é independente da erudição, dá-nos grande satisfação saber que nós outros, pobres de Cristo, analfabetos de todas as grandes ciências, podemos ao menos beneficiar de uma certa agilidade crítica e de uma latitude mental que aos sábios quase sempre está vedada.
Ainda quando a ciência não é muita e a memória não muito tenaz, que o sentido da marcha seja , ao menos, o mais prospectivamente possível. É uma compensação.
II
A CRÍTICA À CULTURA DE THEODORE ROSZACK
No outro texto, de 19 de Setembro de 1971, sublinham-se autores, ideias e correntes que, mais críticas em relação à ciência e ao sistema nela apoiado, incentivavam já uma consciência ecológica da realidade.
Lisboa, 19/9/1971 - A crítica à civilização pode perfeitamente começar por uma crítica à parte mais representativa, típica e crítica dessa civilização:
a) a medicina tal como a temos e se pratica;
b) a indústria alimentar e as agressões químicas ao consumidor.
O caso da Medicina, como instituição inamovível do Sistema, é típico: se algum doente, na qualidade de doente, ousa ter consciência da situação e exercer o espírito crítico tão elogiado pelos que se dizem cientistas, é imediatamente acusado de «bruxaria» e «charlatanismo».
Esta é a acusação de que a Medicina oficial se serve para reprimir, como parte integrante e magnífica do sistema, toda e qualquer resistência, toda e qualquer crítica, toda e qualquer oposição à sua totalitária actuação.
Tem para isso o melhor alibi do mundo: dizer que defende a saúde e a vida das pessoas. Tudo lhe é, então, perdoado...
Ora, além da medicina oficial, há muitas outras medicinas que podiam e deviam conhecer-se.
Se Roszak pretende alguma coisa e nós (hippies ou não) com ele, é isso: que ao totalitarismo se substitua o diferencialismo, ao dogmatismo a problemática e ao tratado o ensaio.
Ora o que os «hippies» fazem de uma assentada, é isso tudo: a frente de contestação à ditadura, aos sofismas e aos crimes do Sistema. Nem sequer o querem derrubar, mas apenas que os deixem viver. À margem do sistema, viver.
Ainda no campo da medicina, repare-se como o intelectual dito progressista de esquerda considera uma afronta o reformismo em matéria de Economia (quem aceita hoje a caridade?) mas aceita, sem tugir nem mugir, sem protesto nem críticas, o reformismo na medicina que é a alopatia e a medicina sintomática em geral.
Quando se discute, por exemplo, o preço dos medicamentos ou a socialização dos serviços de assistência médica é como se, no campo da economia Política, preconizássemos a socialização da exploração.
Reformar a terapêutica química é tão reformista como propor a melhoria de processos da pena de morte, da tortura ou da exploração do homem pelo homem.
Impedir que o doente se trate(e cure) a si mesmo - sob o pretexto de que não é técnico - é o mesmo que negar a capacidade para se auto-governarem, auto-gerirem e auto-regularem os indivíduos nos campos da política, da economia e da educação.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
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