domingo, 5 de outubro de 2008

ECO-TECNOLOGIAS 1983

1-4 domingo, 19 de Janeiro de 2003
ta-1-aa-ds> os dossiês do silêncio

T.A. EM PORTUGAL/ O DESENVOLVIMENTO AO NOSSO ALCANCE(*)

10/9/1983 - É possível combater a desertificação que alastra por largas zonas do continente e ilhas - assegurou-nos o prof. José Nascimento, da Faculdade de Farmácia de Lisboa, que há anos se consagra à difusão, entre nós, das tecnologias apropriadas para o ecodesenvolvimento.
Ele tem agora oportunidade de se dirigir a uma mais vasta audiência, através da Radiodifusão Portuguesa. Desde o dia 28 de Abril passado, a Antena 2 transmite, quinzenalmente, às quintas-feiras, pelas 21 horas, um apontamento da sua autoria, sobre tecnologias apropriadas, Intitulado «Velhas Ciências, Novas Técnicas».


As tecnologias apropriadas já deram provas práticas, em diversos pontos do globo em vias de desenvolvimento, e constituem, em muitos casos, verdadeiro sucesso no contributo que dão à independência dos povos, até então submetidos ao imperialismo económico dos grandes blocos.
Como a expressão «tecnologia apropriada» ainda não diz grande coisa ao público, pedimos ao prof. José Nascimento que nos dê exemplos: depuração de esgotos com jacintos de água e outras plantas, produção de proteínas, a partir de folhas e minhocas, produção vegetal em abrigo com colectores solares de água, onde se pode exercer aquacultura, cimenteira de eixo vertical, funcionando a carvão de madeira, produção de biogás e adubo, simultaneamente, são exemplos de tecnologias apropriadas.

INVENTÁRIO DE RECURSOS

José Nascimento não duvida de que Portugal está no momento exacto para decidir o modelo de desenvolvimento que pode libertar-nos ou fazer-nos ainda mais dependentes de potências estrangeiras, de sistemas externos.
As suas palavras merecem atenção dos que querem um país livre e democrático: «Portugal pode, do ponto de vista de desenvolvimento, caracterizar-se geograficamente pela existência de duas comunidades: litoral medianamente industrializado e interior subdesenvolvido.»
Pormenorizando, adianta: «A comunidade do interior está a sofrer um retrocesso de desertificação humana pela emigração para a cidade e para o estrangeiro, enquanto a existência de um clima semi-árido ao sul de Tejo e em algumas bolsas do Norte provoca, em certas zonas, a desertificação real.»
Como quem faz um inventário de recursos naturais, vai enunciando: «Não temos combustíveis fósseis mas temos insolação importante; temos maus terrenos mas que podem ser utilizados na agro-silvicultura e pastorícia, quer dizer, para a produção de matéria vegetal; temos uma orla marítima importante, aproveitável em projectos de aquacultura.»
Reconhecendo que «possuímos uma da formas de produção animal mais absurdas», adverte: «É necessário atender ao meio rural, criando comunidades autosuficientes em energia para a realização dos trabalhos agrícolas, instalando pequenas indústrias que absorvam mão-de-obra excedentária em certas épocas do ano (exemplo: miniaturização, através de biotecnologias apropriadas) e aumentando o nível cultural da população rural, com vista a aumentar a sua capacidade de absorver a inovação.»

DOIS PROJECTOS NO TERRENO DA BIOMASSA

O poder local e a regionalização em profundidade passam pelo desenvolvimento das tecnologias apropriadas -- reafirma José Nascimento, que nos últimos dois anos tem realizado uma intensa actividade de animação.
À frente de uma organização particular, o Centro de Informação e Pesquisa para o Desenvolvimento (C.I.P.D), associação de fins não lucrativos, na Avenida Miguel Bombarda, 91, em Lisboa -, José Nascimento dinamiza actualmente alguns projectos de aplicação no campo da biomassa, com subsídios relativamente confortáveis da Fundação Gulbenkian e da Junta Nacional de Investigação Cientifica e Tecnológica.
Um desses projectos, a decorrer no Paul, perto de Messines (Algarve), conta com o apoio da Direcção Regional de Agricultura do Algarve. O outro, em Porto Santo - índice de aridez próximo do deserto -,conta com o patrocínio da Direcção Regional de Agricultura da Madeira.
Ambos estes programas visam «combater a desertificação mediante a recolha, algures, e plantação, no local, de espécies vegetais adaptadas ou adaptáveis a zonas áridas e semi-áridas, e com interesse económico: produção de madeira, alimentação de gado (pastorícia), plantas medicinais, são exemplos abrangidos por esses projectos de culturas ditas de sequeiro.
Só dificuldades de ordem burocrática têm impedido que outro projecto idêntico se instale em Cabo Verde, mau grado a vontade de o concretizar manifestada ao C.I.P.D. pela Embaixada deste país em Lisboa.
As tecnologias apropriadas – a que outros chamam libertadoras - desafiam interesses e dogmas económicos profundamente enraizados. José Nascimento não poupa críticas ao imperialismo americano. As tecnologias desenvolvidas pelos Estados Unidos no sentido de ter o controlo mundial dos alimentos, são para ele o caso típico que se opõe à tecnologia apropriada, como, por exemplo, as tecnologias de resistência ao colonialismo inglês postas em prática por Gandhi.
Que o problema da tecnologia é essencialmente político e de coragem para não resvalar na demagogia, fica bem claro das afirmações feitas pelo nosso entrevistado: «Os políticos, cuja especialidade é prometer aquilo que as pessoas gostariam que viesse a acontecer, passam por alto o problema da relação apertada que existe entre as disponibilidades reais existentes (e não as disponibilidades reais convenientes) e o calendário de realizações propostas.»
Contar com as próprias energias é a expressão-chave de um desenvolvimento pela via das tecnologias intermédias ou libertadoras, implantadas com sucesso em muitos países do chamado Terceiro Mundo: «A análise de um grande número de projectos que tiveram sucesso - sublinha José Nascimento - e que fracassaram, permitiu elaborar um conjunto de normas a que a implantação de uma tecnologia deve sujeitar-se.»
Eis, uma a uma, essas normas:
«1 - A T.A. deve evitar a dependência dos recursos estrangeiros, devendo usar-se sempre que possível os recursos humanos e de energia e os materiais disponíveis localmente;
«3 - A T.A. deve gerar postos de trabalho: se se eliminam certas categorias de actividade, os trabalhadores deslocados deverão poder ser integrados noutras esferas da capacidade produtiva e preferivelmente dentro da comunidade;
«4 - A instalação de uma T.A. deve considerar o capital estrangeiro como um complemento e não como substituto do capital nacional;
«5 - A instalação de uma TA. relacionada com o aumento de produtividade ou aumento de mercadorias manufacturadas deverá incluir um mecanismo para ter controlo sobre o preço dos produtos;
«6 - Os processos de T.A, devem ser compatíveis com a ecologia local;
«7 - A T.A. deverá assegurar que as actividades de investigação estejam estritamente vinculadas às realizações práticas em curso para poder criar inovações independentes e úteis;
«8 - As T.A. devem levar em conta o nível cultural das populações;
«9 - As T.A, aparecem multas vezes como tecnologias primitivas, porque as que se encontram mais divulgadas se dirigem às regiões mais atrasadas, mas desde que o nível cultural o permita, as tecnologias apropriadas podem revestir formas sofisticadas

CONTRA OS «SACRISTÃES» DA ECONOMIA

O inventário dos recursos naturais torna-se, para países como Portugal, a pedra angular de um ecodesenvolvimento pela via das tecnologias apropriadas.
A Hungria dá um bom exemplo de país que está aproveitando as seus próprios recursos, adoptando tecnologias leves, ora obtendo proteínas a partir de folhas, ora utilizando alimentos com azoto não proteico na alimentação de ruminantes para escapar ao controlo do mercado mundial exercido pelos E. U A.
Como acentua José Nascimento, não se pode falar em desenvolvimento sem falar do tipo de tecnologia que o promove. E se a neutralidade da tecnologia ainda é hoje um mito corrente, já se vai sabendo que na realidade é ela que condiciona estruturalmente o modelo de desenvolvimento que se pratica.
Que o sistema vigente - o crescimento pelo crescimento - pode adoptar e adaptar as T. A. sem que para isso tenha de alterar a sua essência (provocadora de desigualdades sociais, por exemplo), também é verdade que nenhuma alternativa de ecodesenvolvimento se abrirá sem uma tecnologia diferente, adequada a esse objectivo, e sem aquisição, por cada país, do respectivo «know how».
Os projectos gigantes de «economia de escala» -- explica ele -- encontram-se baseados numa tecnologia também monopolista e macrocéfala, dita capital-intensiva. «Se nas nações com este tipo de desenvolvimento, o produto nacional bruto cresce e o produto nacional bruto "per capita" também, este índice esconde outra realidade.
E pondo o dedo na ferida: «A distância entre os que têm e os que não têm, agrava-se cada vez mais, aumentando a distorção na distribuição do rendimento.»

O DESENVOLVIMENTO DO SUBDESENVOLVIMENTO: EXPIRAL DE LOUCURA

É um facto, escamoteado por «cardeais» e «sacristães» da economia oficial-- como nos diz --que «as tecnologias de capital intensivo, utilizando recursos humanos especializados, foram o agente do agravamento do subdesenvolvimento».
As consequências desse crescimento desumano vão mais longe, como José Nascimento confirma: «A sangria dos países submetidos à pilhagem revela-se também na movimentação demográfica e a população rural decresce continuamente a expensas da população urbana que tem um crescimento explosivo, fonte de perturbações sociais acrescidas».
«Espiral de loucura», chama José Nascimento a este «modelo decrescimento» que nos é imposto do exterior (as comunidades económicas como a C. E. E,) e do interior (grandes corporações industriais ou os projectos políticos de grande retumbância).
Segundo nos informa, os factos vêm desmentindo os dogmas, sofismas e mitos do crescimento: «Sem querer afirmar que todas as dificuldades actuais que os países atravessam são consequência de programas de desenvolvimento mal concebidos, não há dúvida de que estes programas se têm baseado em meras suposições, transformados em «dogmas infalíveis».
É falso, por exemplo, que o crescimento de um sector ou de uma área resulte no desenvolvimento do resto do país; no entanto, todos os economistas o afirmam constantemente, ou o pressupõem. Outro pressuposto errado é de que o «crescimento se pode basear na utilização de recursos afastados como combustíveis fósseis e outras matérias-primas não locais», ou que «o crescimento deve utilizar sistemas de processo de produção de agricultura em grande escala porque são os meios mais eficientes de produção.»
Continuando a desmascarar os dogmas correntes da economia oficial, aponta mais dois: «A tecnologia moderna de capital intensivo gera maior crescimento do que a tecnologia de mão-de-obra intensiva» e «o capital estrangeiro é melhor do que o nacional num processo de desenvolvimento».
O que se prova, no fim de contas, é o contrário de tudo isto que os economistas oficiais debitam: «As tecnologias de capital intensivo, utilizando recursos humanos especializados, foram e são agentes de agravamento do subdesenvolvimento».
Para inverter a direcção de uma economia irracional, suicida e desumana, as tecnologias apropriadas são a ponta de lança nos países em transição como Portugal.
E a sigla T. A., a palavra de guerra da paz.
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 10/9/1983

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