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Domingo, 20 de Julho de 2003
DAR VIDA AO ARTESANATO/ TRABALHO LIVRE COMBATE DESEMPREGO(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 28/5/1988
28/5/1988 - 1 - Em cada momento histórico e em cada lugar da Terra, os desafios lançados à inteligência e à imaginação dos homens variam de intensidade. O que actualmente se chama crise é um desses desafios e tem causas próximas e longínquas quer ideológicas quer de estrutura e organização.
Mas um facto é reconhecido por todos: a chamada Revolução Industrial, designação já de si autocontraditória e tendenciosa, contribuiu fundamentalmente para a sistemática e metódica destruição de recursos e riquezas, de culturas e civilizações, de raízes, fontes, valores e património.
Quando se assiste, por exemplo, à destruição de uma antiga indústria nacional - o vidro - assassinada pelo plástico ordinário e pela multinacional da Petroquímica, quando a grande indústria pesada destroi a pequena e média, é simultaneamente uma questão de ecologia e património que se põe, quer dizer, uma questão simultaneamente ética económica.
Conservar a cultura e a civilização significa conservar o equilíbrio ambiental, as relações subtis e qualitativas, as «nuances» e as diferenças, a identidade, a singularidade, enfim, numa só palavra, a liberdade.
Indústria barbaramente assassinada, o artesanato tem toda uma história para contar às novas gerações, elas também atiradas pelo sistema industrial ao lixo da história chamado desemprego. Com as artes e os ofícios que estão morrendo, é a liberdade humana que está morrendo também.
É dessa perspectiva que o realismo ecológico vê o artesanato, que outros encaram como assunto de turismo ou comércio externo. No meio dos equívocos sobre artesanato que se vende, que se compra, que se mistifica, que se aliena, o trabalho livre artesanal é a própria essência da liberdade e da democracia.
Quando a proletarização deu lugar ao trabalho livre artesanal, estava aberto o caminho para a ditadura tecnofascista que caracteriza a Idade Moderna, a leste e a oeste, chamada por alguns Revolução Industrial.
O «proletário», com efeito, é uma «criação» recente e significa que o trabalhador só possui, como riqueza e propriedade, a sua «prole». De tudo o mais foi espoliado, para que sobre ele, total e definitivamente alienado, ditadores de esquerda e de direita erguessem os seus impérios de sangue.
Ergueram. Não sem que algumas «bolsas» de resistência, aqui e ali, teimassem em sobreviver. O trabalho livre artesanal é assim o património mais precioso que Portugal pode oferecer ao movimento ecologista internacional e à resistência universal contra o genocídio.
O assassínio de artes e ofícios - os «tecelões da liberdade» - tem sido perpetrado por todos os sistemas económicos hoje vigentes, quer os do bloco capitalista quer os do bloco anticapitalista.
Os «tecelões da liberdade» que ainda resistem foram matéria de reportagens realizadas pela «Frente Ecológica» em diversas circunstâncias.
2 - «Estagnação económica»? «Recessão»? Mas então não se tratava de levar até ao fim e ao infinito o «modelo de desenvolvimento» baseado no dogma religioso do crescimento sem limites? Não se tratava de crescer até rebentar?
O desemprego, a estagnaflação, a recessão parecem assim mecanismos de segurança, válvulas de escape, que o próprio sistema segrega para não rebentar mesmo, para a sua automanutenção no declive da crise.
Como não quer rebentar embora isso esteja dentro da lógica - atrasa o ritmo, retarda a fúria, o “delirium tremens” do «mais, mais, sempre mais». O infinito dentro de um planeta finito.
Temos, então, como se fosse a febre que mantém vivo este corpo podre, o desemprego generalizado. Consultem-se os números do INE e ver-se-á de que maneira o desemprego é apenas o subproduto natural e lógico do sistema que julgou viver matando os ecossistemas, despovoando o mundo rural, concentrando as populações arrancadas à terra nas cidades-cancro, nas cidades-pesadelo, nas cidades-vampiro.
Diligentes sociólogos e parlamentares da CEE, em Abril de 1983, estimaram por exemplo que os jovens com menos de 25 anos constituem 40 por cento dos desempregados.
Diligentes analistas de estatísticas concluíram, em Portugal, que um quinto dos desempregados são jovens e nunca trabalharam.
O sistema continua fabricando licenciados para pura e simplesmente os deitar na pia, no vazio do desemprego e do desespero. Mas não se esqueçam de ir dizer que eu é que tenho uma linguagem violenta, está bem?
3 - Dir-se-á que é a inércia da lógica do absurdo do sistema. É, de facto, a inércia da asneira e do crime deliberado. Não do crime ocasional ou acidental: do crime sistemático, prefabricado e planificado. Assim se gaba de ser a economia que temos, não é verdade?
E tantos técnicos responsáveis (quando chegará também para esses fabricantes de desemprego a hora do seu deles desemprego?) não chegaram para prever esta crise. Não havia indícios?
Evidentemente que não é preciso indícios do que já se sabe ir acontecer por lógica interna do sistema. Porque está dentro da própria lógica, ainda que absurda, deste modelo que se diz «crescimento» e que é atrofia, que se diz desenvolvimento e é reacção, que se diz progresso e é retrocesso.
Se o sistema, na fase de imposição a ferro e fogo (a pomposamente chamada Revolução Industrial), levou décadas intoxicando os cérebros e bramando contra a mão-de-obra intensiva, destruindo empregos porque era preciso despovoar o campo, inutilizando postos de artesanato porque era necessário industrializar, porque grita agora que não é capaz de criar postos de trabalho, de fazer viver o que canibalescamente matou?
Não se esqueçam, entretanto, de dizer que sou eu o da linguagem violenta, que dramatizo, que tenho a mania de me envolver emocionalmente nos problemas e que tenho um «sentido conspirativo da história».
Onde estão esses postos de trabalho que o sistema disse estarem a mais quando aliciou agricultores para a cidade e para os concentracionários industriais?
Não sabiam os previsionistas, filhos e neto do sr. Herman Khan, que a recessão é inevitável e que nem a rã da fábula cresceu pela simples razão de que estoirou? Porque se mostram de «novas» os futurologistas no poder, quando a recessão aparece? Quando o desemprego alastra?
Sendo os jovens, segundo as estatísticas, o grupo etário que vai apanhar de frente com a força da vaga, é à geração «desempregada» que deve ser dirigida a pergunta de um velho de cinquenta e cinco anos, já a cair da tripeça e a que a juventude naturalmente votará o natural e juvenil desprezo que é seu timbre.
Será que outra geração vai ser engodada no mesmo silvo em que foram enganadas as anteriores?
Despejados no vazio do desemprego, depois de lhes prometerem futuros brilhantes e astro-espaciais como-o-do-papá, será que os jovens vão perceber que a mentira é estrutural, que tem uma assaz curta história de 100 anos e que radica na podre mitologia desenvolvimentista, toda ela canibalesca e devoradora não só dos mitos que vai gerando, mas dos homens e das mulheres que vai armadilhando?
Se a tendência monopolista tende para a destruição dos pequenos e médios (produtores e consumidores) é evidente que o seu contrário, a tendência ecológica alternativa, vai no sentido de criar e multiplicar empregos.
DESMONOPOLIZAR
É CRIAR EMPREGOS
Não é, portanto, a «crise», a famigerada crise a culpada da falta de empregos, mas a própria lógica do sistema, o gigantismo próprio do monopólio, seja ele do Estado ou privado.
Cada burocrata a mais são muitos postos de trabalho a menos. Cada burocrata é um posto de trabalho, mas cada burocrata destrói vários postos de trabalho.
A luta de morte que pequenos e médios comerciantes travam contra o regime das rendas instaurado pela Lei 392/82, é um exemplo bastante ilustrativo de como os monopólios e os governos ao seu serviço promovem a destruição dos pequenos e médios.
Essa destruição tornou-se crónica nos meios rurais, o pequeno e médio agricultor, o pequeno e médio proprietário sofreram uma autêntica chacina. É de genocídio rural que se pode falar, sem eufemismos.
Mas o pequeno e médio é uma espécie igualmente em vias de extinção noutros ramos da vida económica, até ao consumidor e ao cidadão em geral. Fala-se em declínio e desaparecimento da classe média.
A tendência deste sistema canibalesco é para acabar, quanto a classes sociais, com médios e pequenos, abrindo campo aos tubarões do capitalismo e aos burocratas do socialismo.
Mas é por acaso que os monopolistas de Estado - a chamada esquerda - querem recuperar a luta de pequenos e médios (agricultores, industriais, comerciantes) enquanto a chamada direita tudo fez para a sua destruição.
Uma indústria de colectores solares para aquecimento de águas domésticas, significa mais postos de trabalho, pois será necessário mais gente para desenhar, manufacturar, instaurar e manter o equipamento solar.
Se é compreensível que os particulares pudessem oferecer certa resistência à novidade das tecnologias leves, devido à ignorância dos utentes sobre os resultados que se podem obter, compete aos organismos públicos, animados pela vontade política do Estado e do Governo, dar o exemplo, fazer a demonstração, tomar a iniciativa de provar as vantagens das t.a. (tecnologias alternativas ou tecnologias apropriadas) assim como às autarquias e a outros organismos supostos responsáveis.
Se se trata do interesse nacional baixar a factura do petróleo que se importa, é igualmente do interesse nacional tomar medidas, legislativas e nem só, para aumentar o sector alternativo da energia, começando pelo sector público e levando a gestão energética até aos consumidores particulares.
Activando a procura e a oferta dos equipamentos para t.a.'s, activa-se quem produz, criando empregos. Por isso, a energia solar - segundo afirmam especialistas - , é um grande potencial de novas oportunidades de trabalho, especialmente em canalização, construção, investigação e desenvolvimento.
5 - Imprensa e Cultura hoje, em Portugal, vivem dominadas por uma concepção internacionalista ou imperialista que entende dever impingir às populações valores e realidades que lhes são completamente alheias.
Dizem então os senhores cultos e eruditos que o povo é relapso à Cultura.
Mentira. O público é adverso às injecções maciças de ideologia que, através das vedetas internacionais, se lhe pretende impingir. Ou às artes e formas culturais abstractas, nomeadamente música e bailado - que não aquecem nem arrefecem e tão-pouco divertem.
A tónica no património tradicional, na arqueologia, nas raízes histórico-culturais será assim o antídoto para uma invasão de temas, valores, obras e autores que nada dizem aos portugueses, mas que a classe dita culta teima em dar-lhes.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 28/5/1988
domingo, 5 de outubro de 2008
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