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AFONSO CAUTELA RESPONDE A ALBERTO FRANCO,DA REVISTA «O CONSUMIDOR»
UM FRAGMENTO FOI PUBLICADO NA REVISTA «O CONSUMIDOR», Nº 103, MARÇO DE 2001?
- A sociedade de consumo é boa?
- Para quem pode consumir, é óptima. Para os que estão fora do banquete, é que é pior. Excluídos da grande farra estão os pobres, o meio ambiente (ar, solos, água), flora, fauna, património cultural e natural, enfim, os que não gozam directamente das maravilhas consumistas. A poluição – a que os economistas costumam chamar «externalidades» - é o preço a pagar e, pelo que se vê e cheira, é um preço altíssimo. Onde iam os jornais arranjar assunto, se não fosse o beco sem saída dos resíduos perigosos e respectiva co-incineração? Regra geral, este lado maldito – como diria Georges Bataille – nunca vem ao de cima do discurso consumista. As sombras não se dão bem nesta sociedade iluminada a néon.
- Refere-se à publicidade?
- Não só mas também. A moral hedonista que preside à ideologia do consumo tem na publicidade a sua joia da coroa (e os jornais a única forma de sobreviverem), motor que acciona a velocidade exponencial do chamado desenvolvimento económico. Esta histeria da velocidade pode ser, na era da globalização do tecno-terror, o que nos levará à catástrofe planetária mas, curiosa e paradoxalmente, também a que nos livrará dela. A bolsa mundial, todos os dias à beira do crash, acaba todos os dias por se safar, tal a velocidade a que anda tudo.
- É pessimista quanto ao futuro?
- Não, sou bastante optimista. A máquina do consumo irá esfacelar-se mas, no minuto final, as forças do Novo Cosmos dirão basta. Um exemplo que retrata a sociedade de consumo: as secções de economia e de computadores dos jornais são sempre melhor do que filmes de terror. As notícias da bolsa (crash iminente !) e de vírus (mais um, a juntar aos milhares!) são autênticas pragas. Quem vive em pessimismo permanente são, afinal, estes arautos do paraíso. O económico paga-se com o inferno da inflação (ou da bolsa em queda). E o informático, com o inferno dos vírus. O sistema vive não só de matar os ecossistemas mas de ameaçar o consumidor, com novos sustos e medos, enquanto lhe põe à frente a cenourinha.
- Quem fala do Novo Cosmos?
- Os que aprenderam a ler os sinais do novo paradigma na gnose vibratória de Etienne Guillé.
- É esse o fundamento do seu optimismo?
- O movimento cósmico é uma realidade física, ela também imparável e incontrolável como a máquina do consumo. Só que infinitamente mais poderosa: as leis cósmicas imperam sobre as leis do marketing e da histeria bolsista. Só por isso é que talvez o crash não se dê, embora todos os dias ponha os ricos e poderosos do mundo à beira de um ataque de nervos.
- Um fundamento metafísico, então?
- Metafísico, sim: aí está uma palavra que os aracnídeos da velha ordem estragaram, tal como a palavra religião. Uma das vantagens do novo paradigma é que essas palavras voltarão a ter o sentido e conteúdo exactos que lhes pertence. Assim o ensina Guillé e eu gosto de repetir.
- O que chama tecno-terror seria inerente à sociedade de consumo?
- São sinónimos: sociedade do plutónio, sociedade industrial, sociedade desenvolvida, são eufemismos da mesma coisa, usados conforme a visita que temos a tomar o chá. São os retrocessos do progresso. Um exemplo: o aquecimento global era tema de meia dúzia de resistentes ecologistas dos anos 70 e 80, acusados de alarmistas pelos ideólogos do progresso de todos os partidos. Trinta anos passados, ainda há um Bush que se recusa a recuar na loucura da industrialização energívora, para proteger os lucros das empresas que o levaram ao poder. Bush não tem poderes para travar o lobby das indústrias, que são a outra face dos consumos, embora as revistas de papel couché só nos lembrem o paraíso da cosmética (por exemplo), nunca as fábricas químicas que os produzem. Ou o benefício dos pesticidas e nunca a catástrofe de Bhopal.
- Sociedade de consumo é o outro lado da sociedade industrial?
- O lado negro, o lado hard do soft consumista. Mas é com este soft que se alicia o consumidor, já que ninguém saliva ou se deixaria empolgar com entediantes discursos sobre desenvolvimento, industrialização, energia nuclear e outras alarvidades do discurso tecnocrata.
- «Tecnocrata» foi das palavras mais usadas nos seus artigos d ‘ «A Capital» (Crónica do Planeta Terra). Continua a ser?
- Nunca foi muito usada pelos alegados ecologistas, mas hoje caiu completamente em desuso. No entanto, é a palavra-chave da entropia anti-ecológica. O poder da tecno-estrutura na sociedade da catástrofe não foi invenção minha. Anos depois de falar nisso, li isso mesmo no Ivan Illich. Sem ele, nunca teria ousado pensar, escrever e publicar 80% do que publiquei.
- Quer dizer que a máquina do consumo, na engrenagem das nossas democracias, é imparável?
- Imparável, incontrolável e leva à inevitável catástrofe. A ideologia do consumo é hipócrita: promete o paraíso dos gadgets (de que o telemóvel é a última flor) e tem, para dar, a curto prazo, todos os infernos. Será difícil de prever as patologias, dentro de anos, típicas do telemóvel?
- Seriam então aquilo a que já tem chamado «doenças do consumo»?
- Haverá hoje alguma que o não seja? O mais estranho é que uma enorme percentagem dessas patologias seja da própria medicina química que consumimos: os cientistas chamam-lhe iatrogénese, denunciada no livro mais censurado do século: «Limites para a Medicina», de um senhor obviamente chamado Ivan Illich. Embora só agora desse raia (e manchetes), a doença das vacas e a febre aftosa são duas, apenas, das doenças identificáveis com o tipo de consumos engendrados pela engrenagem. Mas a lista negra tem centenas delas. ■
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
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