1-3-domingo, 19 de Janeiro de 2003 - recursos-1-ie-aa> = ideia ecológica do afonso – artes alternativas - os dossiês do silêncio
TECNOLOGIA LIBERTADORA E OS RECURSOS QUE TEMOS(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/5/1988
1 - À luz dos recursos vivos e naturais que o progresso vai delapidando, os conceitos de crescimento económico e desenvolvimento industrial começam a ficar comprometidos face à opinião pública.
Se se fala de recursos e em aproveitar recursos, não faz sentido que o mais importante recurso que é o lixo ou desperdício se continue a deitar fora.
Se se fala em recursos, não se justifica então que o biogás - a partir do grande recurso nacional que é o excremento animal - continue a contar com a má vontade sistemática de técnicos e políticos.
Se se fala em aproveitar recursos, devia ver-se que várzeas fertilíssimas têm sido destruídas com o desenvolvimento urbano de cidades como Lisboa, ou de grandes complexos industriais como o de Sines.
Respeitar os recursos devia incluir a manutenção de recursos humanos que são as artes e os ofícios sistematicamente sacrificados aos mitos da rendibilidade capitalista ou socialista.
Se se fala de recursos e de viver com o que temos, porque se deixa crescer o moliço na Ria de Aveiro sem o recolher, só porque ele constitui um fertilizante orgânico de primeira ordem e portanto um concorrente dos adubos da Quimigal?
Se se fala de recursos, porque se têm assassinado solos fertilíssimos com plantações de eucaliptos e porque se mataram serras inteiras como a serra de Ossa que sucumbiu a 11 milhões de eucaliptos?
Se se fala em aproveitar recursos e em viver com o que temos, porque se têm sacrificado as culturas de subsistência alimentar básica por culturas industriais de exportação como cártamo, girassol, tomate, beterraba, algodão, tabaco?
Se se fala em não delapidar o que temos, porque se impermeabilizam milhares de hectares de solos com quilómetros de betão armado = auto-estradas e vias rápidas?
Se se fala em aproveitar recursos, porque se defendem barragens como a de Alqueva que vão destruir os poucos regadios existentes no Alentejo, estradas, aldeias e património cultural com o que pretende ser o «maior lago artificial da Europa»?
2 - Quando a classe dirigente se curar da megalomania que a consome e nós continuamos a pagar, o País tomará o rumo do bom senso e os sacrifícios exigidos talvez sejam feitos com menos rancor, menos raiva, menos ódio do que agora.
Quando as tecnologias libertadoras e apropriadas apontarem o caminho certo da Economia viável, quando as pequenas e médias empresas tomarem o lugar de protagonistas de que foram relegadas pelos mastodontes industriais, talvez os portugueses se interessem e empenhem no sentido colectivo do seu País.
Não é abstracto o tema da dimensão empresarial: ele está intrinsecamente ligado à nossa possibilidade de sobrevivência como povo independente.
O pequeno e o médio aumentam a nossa independência, o grande torna-nos cada vez mais escravos das multinacionais disto e daquilo.
A discussão do Plano Energético em termos de grandes unidades produtoras é a total aberração que alguns responsáveis do Governo, como o Secretário de Estado do Ambiente, já reconheceram.
Insistir nos planos megalómanos - Alqueva, Siderurgia, Nuclear, Pirites, Petróleo - é não só continuar aumentando a dívida externa, reforçando a nossa dependência, comprometendo as futuras gerações mas também obstruir todo o trabalho de emancipação nacional e de libertação da sociedade civil que as indústrias e tecnologias de média e pequena dimensão são as únicas a garantir.
Os técnicos que quiserem ser honestos com o povo português devem mostrar esses números, em vez de continuar a escamoteá-los.
3 - Engenheiros de energia começam (quase) sempre os seus discursos com um exercício de futurologia. Aquilo a que chamam «as estimativas dos consumos energéticos para os próximos anos».
Olhos postos nos países desenvolvidos, ricos, industrializados, prósperos, felizes - em suma, energívoros - os engenheiros energívoros portugueses sonham então para os portugueses(?) as grandes metas europeias e norte-americanas.
Se queremos ser gente, passar da retaguarda para a vanguarda, ter qualidade de vida, temos de consumir energia como eles consomem. Nem mais nem menos.
E vá de obrarem gráficos com as metas a atingir até ao Ano 2000.
Jamais passa por estas cabecinhas-de-vento que o processo tem de ser o inverso, se o critério for de facto o interesse dos portugueses e a independência nacional.
Quem não for «pau-mandado» dos interesses estrangeiros, de Leste ou Oeste, terá de fazer o contrário do que eles sistematicamente fazem e dizem nos seus discursos de insaciáveis burocratas: em vez de pôr primeiro as metas obrigando a gente (povo indefeso) a correr para elas, fazendo das tripas coração à procura de recursos para alcançar essas metas, realista e sensato é (apenas) ver primeiro o que temos e depois gastar em quantidade e qualidade de acordo com as forças e energias que temos.
4 - Paranoico e megalómano é pretender produzir energia em obediência aos padrões e metas que nos são estranhos, completamente alheios e estrangeiros. Paranoico é recorrer à exploração de energias importadas - em vez de explorar as que temos apenas porque potências internacionais ou multinacionais, a Leste e a Oeste, pretendem impingir-nos as suas tecnologias - regra geral obsoletas - e aqui implantar indústrias das quais não usufruímos vantagens mas apenas sofremos os custos ambientais. O caso do alumínio é a típica indústria devoradora de energia ou energívora, outras o serão de água - hidróvoras -, outras o serão ainda de outros recursos naturais portugueses. Implantando indústrias energívoras, o sistema pretende depois convencer-nos de que há metas a atingir.
Realista é saber que energias temos e podemos explorar para depois ligar a sua utilização necessariamente regionalizada - à maneira como produzir e ao tipo de coisas a produzir.
5 - O jacinto-de-água deixou de figurar na lista dos flagelos, para se incluir, com fortes razões de facto, na lista dos recursos naturais a explorar, desde que se descobriu que esta biomassa podia transformar-se em energia. Era só querer...
Que grande campanha não se deveria ter já feito, perante um tal recurso de energia disponível?
O jacinto-de-água, também conhecido por jacinto aquático ou desmazelos, é uma planta aquática, flutuante, que vive em águas doces; tem flor azul-lilás, longas folhas verdes, dispostas em tufos, com umas raízes grossas e suculentas, e outras compridas e normalmente delgadas, aparentando constituir, no conjunto, a forma de cabeleira.
Reproduz-se por sementes contidas em cápsulas, em número variável, chegando a atingir 5000 sementes por planta e mantendo por 15 anos o poder germinativo, resistindo à submersão e à dissecação e, propagando-se por meios vegetativos, alastra rapidamente, originando problemas e prejuízos de ordem vária. Assim, reduz as secções dos leitos dos rios, das valas de drenagem e dos canais de rega, dificulta a navegabilidade, diminui os caudais nas linhas de água, por obstrução, e aumenta a evapotranspiração cerca de 3,7 vezes mais do que a superfície livre das águas, nas mesmas condições. Por outro lado, verifica-se uma diminuição da fauna ictiológica nas áreas que invade e constitui planta hospedeira de insectos portadores de doenças do homem e animais.
Para exterminar ou conter o desenvolvimento vegetativo e populacional desta planta, não se dispõe, actualmente, de nenhum meio de luta, isolado ou combinado, que apresente resultados inteiramente satisfatórios. Por outro lado, esta operação torna-se mais difícil, por se tratar de um hidrófilo, e poder-se provocar desequilíbrios nos ecossistemas do meio aquático, desde que não se tenha em conta os componentes físicos, químicos e biológicos.
Introduzida em Portugal em data desconhecida, provavelmente como planta ornamental, foi inventariada entre nós, pela primeira vez, em 1939. A partir dos últimos anos tem-se desenvolvido bastante, espalhando-se por algumas regiões, especialmente no Ribatejo, numa zona que vem desde montante da Barragem de Belver até Vila Franca de Xira e há uma outra larga mancha, na foz do Sado, causando grandes prejuízos materiais, na ordem de milhares de contos. Pela experiência adquirida nos últimos anos, no nosso País, e pelo que se conhece do seu comportamento em outras partes do mundo, considera-se esta praga extremamente perniciosa.
Em face da gravidade da situação e de ser urgente desencadear acções específicas, de grande envergadura, coordenadas e integradas, porque deverão ser de natureza pluridisciplinar, o secretário de Estado do Ambiente, prof. Gomes Guerreiro, por despacho de 19 de Novembro de 1976, incumbiu o presidente da Comissão Nacional do Ambiente de coordenar uma campanha de combate a esta praga, em colaboração com outros organismos interessados. Estão já a participar nos trabalhos, além de técnicos da Comissão Nacional do Ambiente e do Serviço de Estudos do Ambiente, representantes das Forças Armadas, da Secretaria de Estado das Pescas, da Universidade de Aveiro, da Faculdade de Ciências de Lisboa, do Instituto Superior de Agronomia, da Direcção-Geral do Serviço de Fomento Marítimo, da Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais, da Administração-Geral e Capitania do Porto de Lisboa, do Laboratório de Farmacologia da Repartição dos Serviços Fitopatológicos e do Centro de Estudos Agronómicos da CUF.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/5/1988
sábado, 4 de outubro de 2008
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