segunda-feira, 20 de outubro de 2008

TERRA OCA 1985

1-2 - oliveira85> afonso cautela a fernando oliveira -> este texto de cinco estrelas acho que não está publicado on line e ainda bem: chatices já tenho que chegue. Mas espero que o escrutinador do meu espólio dê por ele. É uma bela carta da terceira idade à juventude. (sábado, 12 de Abril de 2008)

A PROPÓSITO DA TERRA OCA/ CIÊNCIA OU SABEDORIA: AFINAL DE QUE LADO SOPRA O VENTO?

Que a terra seja oca ou não, meu caro Fernando de Oliveira, é assunto que compete a si e à sua gerarão (jovens de 20 anos) demonstrar. Descobrir.
A mim, velho de 50, interessa-me mais saber que oca é a ciência, tem sido a ciência que, rejeita, dogmatica e aprioristicamente, essa e outras hipóteses inteligentes que você, jovem investigador, coloca e pela qual se vem batendo com denodo e coragem.
Dei-lhe a atenção que pude, enquanto jornalista, quando você me abordou para ajudar a divulgar a tese da terra oca que, aliás, vinha apoiada por eminentes autoridades científicas, entre elas a N.A.S.A. e tutti quanti.
Não sofro propriamente de alergia ao imperialismo espacial, mas faz-me certa brotoeja e não será para mim palavra divina o que os astro-espaciais dizem, só porque são astro-espaciais e deitam muito fumo pela cauda.
Como calcula, já estou numa idade em que não me impressionam fumos.

Enfim, no meio da interessante tese da terra oca, logo vi que se desenhavam infiltrações de outra ordem, mas ainda calei, fingi não notar.
Terra oca, sim senhor, tudo bem, desde que se considere a cabeça dos cientistas igualmente a esfera oca que demonstrou ser.
Enquanto você, Fernando de Oliveira, me enviou auto-colantes, fez campanha, elogiou os OVNI, tudo bem e adequado ao Ano Internacional da Juventude, ano em que um velho como eu se deve mostrar amável, paternal e aberto aos verdores adolescentes.
Na platitude abjecta desta vida portuguesa, alguém que fale de O.V.N.I.S. e não me chague a paciência com presidenciais ou com informática, é coisa para festejar.
Foi o que fiz: festejei, escrevi o artigo que me pediu, legendei fotos. O resto, como calcula, já não é comigo.

Mas o borrão neste quadro tão lírico veio agora com a sua última carta, em que da terra oca você deu o salto mais perigoso para outra zona da vida e do real.
Não só se atreve a pisar terreno para mim sagrado como tem a veleidade de me querer ensinar, no sagrado, o caminho certo: aquilo que foi a minha única sabedoria e certeza ao longo deste fastidioso meio século de vida.
Como todos os próceres da nossa classe dirigente, você não escapou à moléstia contagiosa de me querer ensinar também o bom caminho do qual ando tão solitariamente arredio.
Alguns minutos depois de uma amena conversa sobre terras ocas e outras amenidades, eis que você não resiste à tentação de, como todos neste cabrão de País, me querer lavar o cérebro, aconselhando-me a trocar a mística macrobiótica pelas severas certezas da merda científica.
Para o efeito, pretende servir-se de uma revista americana que, segundo você, aborda a ciência de maneira aberta. Se fosse soviética, ter-me-ia igualmente impressionado, porque o imperialismo ideológico não tem fronteiras nem pátria nem bloco: é dos dois.
Dá-me você conta que a referida revista, em matéria alimentar, quase defende teses semelhantes às teses taoistas da chamada Macrobiótica.
Diz ainda você, espírito cientifico, que prefere esta abordagem científica aos misticismos da dita Macro.

É aqui , meu caro Fernando de Oliveira, que você mete a pata na poça até ao pescoço, salvo seja. Admito que o faça de boa fé e por distracção: mas a verdade é que mete a pata na poça.
Que você aprecie mais a ciência que a sabedoria, é consigo e bom proveito. Todos os que levaram o Planeta à beira do caos e do abismo, apreciam mais a ciência que a sabedoria e mataram muitos que acreditavam na sabedoria mais do que na ciência.
A mim, têm tentado, não matam mas moem.
Agora que você tenha a veleidade de me vir querer converter à ciência que vomitei para me converter à sabedoria, só não é grave porque você beneficia, a 100%, da inocência própria da idade.
Mas é precisamente esta inocência, que para o caso funciona de ignorância, que me enfureceu e me pôs apoplético.
É que, caríssimo jovem, 10 anos a pregar para os peixinhos, e sete, nesta coluna semanal dos sábados, a falar sempre em favor da sabedoria contra a abominável ciência, dão-me direito a uma justa fúria.

É fácil você vir dizer-me que não lê “A Capital”. Mas é mais fácil ainda eu dizer-lhe: pois então não venha chatiar-me com os seus OVNI, terras ocas, etc.
Cada jovem e cada velho tem a lavagem ao cérebro que merece.
Não será você, com 19, que me vai lavar o cérebro aos 52.
Com o planeta à beira de rachar ao meio por culpa exactamente desses cientistas todos que agora se fazem de novas, que agora lavam as mãos como pilatos, que agora fingem aderir às vanguardas e lisonjear demagogicamente a juventude para continuar a tê-la nas mãos e aos pés, vem você, sorrateiro, tal e qual os gerontrocratas, dizer que o melhor é mudar de religião.
Todos os dias tentam, meu caro, a toda a hora, ver se me calam, mas ainda o não conseguiram. Terá você essa veleidade?
A demagogia pró-juvenil tem limites: e as coisas fatalmente terão de se azedar quando a perversão de situações e posições é completa.
Sem esperar pelo Ano da Juventude e ao longo de 374 semanas (artigos) eu não fiz outra coisa, pelo menos nesta Crónica do Planeta Terra, do que analisar o discurso velho e corrupto que nos domina para apontar à juventude o aeiou do discurso jovem.

Estou-me nas tintas que a juventude não tenha lido, nem sabido. Mas não será você que, a respeito do discurso, terá conselhos a dar-me.
É você , se quiser, e todos os jovens distraídos, que poderá e deverá aproveitar esse cansativo trabalho de tantos anos, feito a pensar numa possível juventude por nascer.
Se essa juventude abortou, nasceu velha ou a tecnocracia canibal a liquidou à nascença, lamento-o: não vou é aceitar , na única matéria que toda a vida estudei, lições da juventude e que me ensinem de onde afinal sopra o vento, quando de onde sopra o vento é a única coisa que eu, miserável auto-didacta, sei de ciência certa. ■

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