terça-feira, 4 de novembro de 2008

HORIZONTE 2012

1-3 1-1 - 70-05-02-di> = diário de ideias - terça-feira, 10 de Dezembro de 2002-scan

A PROSPECTIVA E O CAOS DAS TEORIAS

2-5-1970

Prospectiva não é ficção (política, história ou ciência-ficção), não é antevisão, hoje, com o auxilio da fantasia mais ou menos delirante e de computadores mais menos electrónicos, do que irá passar-se amanhã, e de como viveremos.
Prospectiva não é, tão pouco, Futurologia.
Prospectiva é uma atitude de espírito que consiste em nos colocarmos num ponto exterior ao presente - um ponto no espaço e no tempo - de modo a vermos esse presente perspectivado, devidamente perspectivado.
Por exemplo: um indígena australiano que olhasse os costumes ocidentais - se lhe fosse dada essa experiência - estaria situado num ponto prospectivo.
O próprio europeu de hoje que lance um olhar para os costumes da Inquisição - digamos, a exemplo - verificará a que distância se encontra desses bárbaros rituais e situa-se, portanto, num ponto prospectivo de observação.
O mesmo em relação à sociedade actual: conseguir em relação a ela um distanciamento - no espaço e no tempo - que permita perspectivar uma auto-crítica, é posição prospectiva.
Muitos, não há dúvida, são os aspectos deste mundo em que já é possível imaginar o que vai ser um juízo dos homens de um futuro próximo. Quanto mais segura, mais nítida e mais profunda for essa perspectivação, mais prospectiva será a atitude de espírito que a promove.
Supunhamos, por exemplo, o que irá pensar daqui a 10 anos um homem que reveja a maioria dos filmes americanos produzidos hoje; e que leia os nossos jornais; e que se espante com as polémicas entre ismos ou teorias.
"Como era possível" - dirá o homem do futuro e o que é já hoje contemporâneo do futuro - "que eles, perante, por exemplo, o mesmo filme, manifestassem opiniões tão opostas?"
"Como é possível que não houvesse ainda meios de medir matematicamente o mérito de uma obra - filme, livro, peça, romance, poesia - e tal medição, feita com palavras destituídas de rigor e mergulhadas na mais crassa subjectividade, desse motivo a tão odiosos conflitos de pessoas?"
Na verdade, um dos costumes da cultura actual que mais irá ferir a sensibilidade do homem futuro é esse da crítica, que ao homem prospectivo de hoje aparece já como um instrumento vão de análise e medida, um instrumento imperfeito e indigno da nossa época de tecnologia ultra-aperfeiçoada, de pretensos rigorismos, de cientifismo enfatuado.
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70-04-29-di> quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002-scan

EVOLUÇÃO E MUTAÇÃO DO CRITÉRIO CRÍTICO (*)

29/Abril/1970 - A experiência é conhecida e alguns a terão descrito já.
Quando um dia contactamos uma obra, um autor e sentimos que, a partir dele, tudo ou quase tudo se modificou na nossa óptica, na nossa estrutura mental, na nossa sensibilidade, no nosso critério, na nossa mentalidade ou maneira de ver as coisas ou mundividências, dá-se o que alguns podem considerar súbita iluminação e outros conversão (quase) mística. Trata-se, pelo menos, de uma mutação.
Por essa experiência se explica que o nosso gosto evolua: o que ontem nos parecia bom, hoje aparece-nos medíocre. Ou o que ontem dificilmente aceitávamos, hoje banalizou-se. Passa-se com a arte - em especial com a música -, passa-se com a poesia e a literatura, com as ideias, com as modas e com tudo o que depende mais da intuição ou da imaginação do que do raciocínio e da razão. O nosso gosto evolui mais do que a nossa inteligência. Informações esquecem-se, mas experiências marcam-nos, vão-nos marcando e fazendo com que a nossa personalidade de hoje já não seja a mesma de amanhã.
Este gosto, desejo e necessidade de mudar, de evoluir, de melhorar ou modernizar a nossa óptica (a nossa sensibilidade), sentimos que é um facto sempre que se nos revela um novo autor ou uma nova obra de quem afirmamos: "Depois dele, o dilúvio." Ao pé dele, muita coisa empalidece e envelhece.
É isso o que um contacto de dias com os textos e autores da Prospectiva nos dá: a sensação de que muita coisa ficou, irremediavelmente, ultrapassada e morta. De que outro agora é o nosso ponto de arranque e o nosso critério de ajuizar sobre um filme, um livro, um quadro, e muito diferente a terminologia que passamos a aceitar.
Prospectiva é, no fundo, o que sempre acontece quando nos acontece mudar , sofrer a experiência de uma nova fase da existência.
Prospectiva é o que acelera e torna possíveis as mutações do nosso espírito, o princípio geral que não deixa envelhecer o espírito e morrer intelectualmente,
No fundo, Prospectiva é o que procuramos quando procuramos em que consiste a Modernidade, o Progresso, a Civilização, a Revolução, o Avanço, o Movimento, a Humanização do Homem. A Liberdade.
Descontentes com as filosofias de ontem, que tão rapidamente passam a filosofias de ante-ontem, atravessamos as de hoje - dadaísmo, surrealismo, existencialismo, personalismo, estruturalismo, marxismo, realismo fantástico - e essas outras sempre acabam por não ser suficientes, ou por envelhecerem também.
Aos que procuram respostas nos sistemas filosóficos, nas escolas e correntes estéticas, a Prospectiva propõe a ultrapassagem contínua, porque a filosofia de amanhã será, com certeza, todas essas mas não será nenhuma delas. Porque o tempo - movimento e mudança - é o princípio que torna o presente já passado e o futuro a única coisa sempre presente.
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(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter permanecido inédito, pois mais também não merecia. Estes anos 69,70 e 71, a contas com uma coisa inexistente – a Prospectiva -, foram de grande confusão na minha cabeça! O princípio da relatividade de tudo andava por perto...

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