habitat-3> - link abjecção – súmulas – entrevista-testamento - os dossiês do silêncio(prefácio) –as intuições de fundo – os anos heróicos – inventários – o habitat invisível – o sistema de mitos (que nos governam) – 1971
03-06-2001
QUADRO ORGÂNICO DA ABJECÇÃO
III
A Civilização como Doença ou Crise.
A Crítica como acto masoquista da Cultura para se salvar, limpar ou curar de si própria.
A Hipocrisia, terá de ser uma das constantes da civilização que alimenta contradições sobre contradições, que proclama uma coisa e faz outra, que em teoria é assim e na prática assado.
A Hipocrisia é consequência directa da constante incoerência.
E com a hipocrisia vem a Demagogia.
Incapaz de confessar, por exemplo, a sua natureza Homicida (a sua Violência inata) inventa os Humanismos para encobrir essa violência, inventa as Morais, os belíssimas Ideais, e daí a hipocrisia. constante (os ideais nunca se cumprem).
Quando a Hipocrisia se faz mensagem pública (através dos « mass media») temos a Demagogia.
Uma civilização que é ela própria uma Doença, inventa., por exemplo, a sublime hipocrisia. do Desporto e da "alma sã em corpo são”.
Uma civilização violenta e homicida, por definição, natureza, origem e fatalidade, diz que defende e promove a saúde.
Usurpação a sobresuficiência são outras constantes da civilização que se julga com o monopólio de todas as Humanidades e Culturas Possíveis, que fala sempre como se tivesse procuração da humanidade passada, presente e futura. Umbilicalismo ridículo, Europocentrismo irrisório.
Teoria sem Prática, Análise sem Síntese: duas contradições que originam todas as demais.
O Especialismo e o Alibi do Especialismo: maneira pela qual o funcionário da Abjecção se escapa sempre às responsabilidades que lhe pedem.
Deus está morto mas os deuses proliferam.
«Logos» contra «Mythos» ou a Dissidência Original, a polémica das polémicas.
A partir deste pecado original, o princípio da Individuação cria todo o mal e toda a tragédia, cria a Cultura como um Sistema de Mitos.
Os mitos menores da cultura ocidental matando os mitos maiores das outras culturas.
O racionalismo ou Mitologia do Anti-Mito.
A Ordem que se diz racional alimenta a sua própria contradição e seguintes, safando-se das incoerências internas pelo alibi do Especialismo e do Tecnicismo - ninguém é responsável de nada, visto que a responsabilidade pertence sempre ao "técnico" vizinho e à técnica do vizinho - e pela Demagogia dos ideais a atingir.
O Culto da Personalidade e a Mitologia Política substituem em certos casos os deuses mortos.
Estrutura Hierárquica das Relações Humanas.
Exemplos de instituições fortemente hierarquizadas: Empresa, Igreja, Universidade, Exército, Estado, Escola, Academias, Hospital, etc.
Escola Exotérïca ou Pedagogia do Medo.
Não foi por acaso que a revolução de Maio de 1968 explodiu no centro da Abjecção, a Universidade.
O Poder do Saber.
Hierarquia e Sabatina Jesuítica, autoridade em vez de liberdade, medo em vez de poesia, competição em vez de solidariedade, exploração em vez de amor.
Exame de Passagem e Promoção, Lotaria, Concurso, Rifa, Competição.
A violência resulta directamente da Estrutura Hierárquica: se só se passa vencendo o parceiro, combatendo o parceiro, deixando vítimas no caminho, pulando por cima de alguém, derrotando o próximo, todas as relações se encontram de raiz e automaticamente corrompidas, viciadas, comprometidas.
Mas como, para cada Crime da Civilização, há sempre um cristianismo a tentar santificá-lo, a ideologia fala então do "próximo", do "amor ao próximo", da "fraternidade", de "todos somos irmãos", de "beijo no leproso, etc, etc
Como, para cada feito da «Civilização», há sempre uma demagogia a justificá-lo, a demagogia dos "tempos livres", por exemplo, pretende ocultar a escravatura imposta ao homem pelo trabalho, pelo sistema industrial, por todos os sectores e vectores da Abjecção,
Condicionado pela inevitabilidade do Trabalho não criador, todas as "revoluções" o adoptaram.
A revolução está por fazer, enquanto o trabalhador estiver por libertar, por mais férias pagas que a demagogia inventar.
O Processo irreversível da Tecnologia.
A "revolução" industrial e o começo do fim.
A imparável Lógica da Violência, processo de autodestruição sem retorno.
As medidas antipoluição como expediente demagógico característico.
Civilização do Lixo, Civilização do Luxo.
Sociedade do consumo ou Sociedade do Desperdício?
O Supérfluo abunda, falta o Fundamental.
Degradada a Natureza., onde irá o homem depositar os inevitáveis Dejectos?
Boca, tubo digestivo, canal digestivo, cloaca.: retrato em corpo inteiro do Consumidor e de todo o processo civilizatório que transformou o Homem em animal de Consumo.
Bomba, fruto supremo da Lógica Tecnológica.
Até os jornais estão a denunciar a demagogia do átomo pacífico.
Não há Átomo Pacífico, dizia O Comércio do Funchal, dia 21-3-1971
Transformado o Homem numa Cloaca temos o que os demagogos chamam Sociedade Afluente, Sociedade da Abundância, Sociedade da Produtividade.
Consumo, histeria do Consumo.
Todo o processo humano reduzido ao Processo Digestivo.
Indústrias em geral mas Indústrias Alimentares em especial, ao ataque.
Indústrias Distractivas também, os «Mass media».
Indústria Armamentista muitíssimo em especial.
Industriocracia: é a Indústria e não a Economia, a Política, a Educação, a Poesia ou o Desporto o que decide de nós e nos governa.
Tecnocracia: a forma "inteligente" de se dizer que não são os industriais ( gente de pouco prestígio) mas os técnicos (ao serviço da tecnologia industrial) que comandam os cordéis da sociedade.
Mais uma pequena hipocrisia, mais um expediente demagógico, mais uma contradição não confessada.
Mercantilismo: herdado de todas as épocas áureas, eis o Esclavagismo disfarçado de todos os regimes.
Turismo - Michael Peters conta em Le Tourisme International um aspecto relativamente esquecido da Abjecção: empenhado em vender o que tem, cada país socialista entra no jogo que lhe é proposto pelo consumo capitalista.
Produção de meninos como ramo da produtividade em geral.
Administração de nascimentos e controlo da actividade sexual do produtor, do cidadão.
A explosão demográfica ou a grande chantagem: promove-se nuns sítios, restringe-se noutros. E a moral varia, conforme as conveniências das administrações: o solteiro é considerado um benfeitor da pátria, se há excesso demográfico; mas se o governo pretende acelerar os nascimentos porque há falta de braços e de cérebros para produzir, é considerado o solteiro um poltrão traidor à pátria.
INSTITUCIONALISMO
Conforme vieram repetir os jovens dissidentes de Maio 1968, a instituição é vector de Abjecção, visto que lhe está inerente a inércia que o transforma, em breve, na máquina trituradora que foram sempre as instituições.
Generalizado, o institucionalismo seria vector permanente da permanente Abjecção.
O ABSURDO URBANO
Por mais reformas urbanas que se proclamem, o congestionamento acelerado das cidades será cada vez mais um facto, devido exactamente a todas as características que se podem verificar como sendo as da Abjecção.
É um facto, portanto, a Inabitabilidade e inospitalidade das cidades, pesadelo climatizado que Henry Miller denunciou.
A Revolução só pode ser o regresso a um Comunalismo Rural, como os «hippies» têm vindo a ensaiar.
COMPETIÇÃO
A estrutura "competição" pertence ao sistema na totalidade.
Um dos equívocos em que o livro-filme Os Cavalos Também Se Abatem podia fazer-nos cair (e fez) é pressupor a competição exclusiva do capitalismo, quando a estrutura Competição abarca todo o sistema chamado Abjecção. E Abjecção se chama, exactamente, ao que é especifico da Cultura (ou caldo de) onde mergulha o homem chamado "civilizado".
O CALCULISMO DO CÁLCULO
Do ábaco ao computador, metendo no meio as matemáticas e as ciências nelas apoiadas - temos a história de uma pretensão que se tornou obcecante: tudo reduzir a termos quantitativos, significa que o espírito humano ganha uma sobresuficiência, que a ditadura do sofisma se pode exercer em nome da lógica e da ciência.
Para saber onde conduz essa idolatria do cálculo, basta verificar o que estão fazendo os discípulos de Max Bense - ou ciberneticistas da arte - e os tecnocratas do planeamento capitalista, para quem tudo se pode reduzir a um cálculo de custo-vantagens.
Esta é uma constante da cultura que nasceu com o cálculo e tem no cálculo o seu vector dominante. Tanto como na análise e no dualismo.
TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADES
Se se trata de reivindicar Beethoven, Matisse ou Dante, os funcionários da cultura não admitem fissuras, entendem que a cultura ocidental - aquilo a que chamam a Civilização, por antonomásia - é um todo uno e indivisível: os poços de petróleo e o cálculo infinitesimal, as barragens e a álgebra pertencem à mesma estrutura que as grandes criações artísticas
Tal obsessão unitária, porém, desaparece logo que se trate de indagar responsabilidades no mesmo corpo cultural.
Armamento, tortura física, poluição do meio, taxa de homicídios automóveis, doenças da civilização, espionagem como linguagem universal, a ditadura dos mass media, as grandes potências devorando as pequenas, etc, aí a "cultura" deixa de ser, na boca dos seus funcionários, um corpo unitário e os responsáveis da ciência física, por exemplo, dizem não ter nada a ver com os fabricantes da bomba, assim como os investigadores químicos se descartam quanto ao que da Química fizeram as indústrias alimentares para transformar a humanidade num açougue, numa imensa leprosaria da nova lepra chamada cancro.
Quando se pergunta quem são os reponsáveis por todas as matanças, descarta-se a ciência de responsabilidades, pois ela é pura e nada tem a ver com o aproveitamento que dela fazem os dementes e mal intencionados da tecnologia e da indústria. Rompeu-se a unidade do corpo cultural.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
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