sábado, 8 de novembro de 2008

PARADIGMA 2012

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Lisboa, 01.08.1992

# ENSAIOS DE KARMA YOGA

Estar vivo não chega. É preciso estar vivo e dar graças a Deus por isso. Dar graças a deus por todas as desgraças que (nos) me acontecem. A isso se chama, por isso, «estado de graça». O contrário - o «estado de desgraça» - é sinónimo de Pecado. E Pecado Mortal.
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9.7.1992

O Karma de um ente começa, entre os mamíferos, no feto. Ainda no útero, o futuro ser humano apanha com o antitússico que a mãe ingeriu em uma quebra de defesas, para fazer face a um ataque de tosse. Mas ninguém diz à mãe que ela está a perder defesas porque perde sais minerais em favor do filho. A falta de respeito pelo ser humano é interminável. E começa, entre outros começos, no útero.
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Sobre o trabalho e a vida dos caboverdianos se tem construído, em boa parte, a democracia de sucesso mas a democracia de sucesso ainda não legalizou os trabalhadores caboverdianos que concorreram e concorrem, com sangue, suor e lágrimas, para a democracia de sucesso e para o sucesso da democracia.
Que puta de democracia e que cabrão de sucesso.
Eu cá estou, com os caboverdianos, na minha clandestinidade particular. Ainda não estou oficializado para viver e trabalhar em Portugal.
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1-1 - 92-07-09-ls> leituras do afonso - terça-feira, 15 de Abril de 2003- 1975 caracteres-karma-7>diario92>ensaios de karma yoga>
11-10-1994

NÃO SE PODE SER PODEROSO GRATUITAMENTE A BENEFÍCIO DE INVENTÁRIO

Como aquele freirinho do século XII, chamado Álvaro Pais, sabia da grande sabedoria e como já intuía, com o feeling místico dos freires, o que nem hoje os mais espertos percebem: que tudo se paga, tostão a tostão, neste mundo. E quanto mais pesada é a barca, mais pesado o castigo. Como ele, freirinho esperto, já sabia a arte literária do inventário e como ele enumerava, seguro, erudito, solícito, castigador e vingador, lambendo-se, os vários e notórios cabrões que a História conheceu, e vomitou. Fóra os que ele, freirinho matreiro, não enumera:
[ ver fotocópia junto]

Lisboa, 9.7.1992

E o Bokassa? E o Hitler? E o Mussolini? E o Bush? E o Ronald Reagan? E o Dono do Mundo? E o Rei da Cucolândia? (...)
O Poder atrai e amplia a força do Karma. Quem acumula poder atrai sobre si as forças cósmicas e telúricas em turbilhão («la voragine»), fica à mercê dos raios ultravioletas como qualquer pobre diabo que cai na asneira de ir bronzear-se para a praia.
Tal como afirmava, sabendo o que dizia, o frei Álvaro Pais, no século XII, o pobre paga as custas de ser pobre e o Rico paga as custas de ser Rico, e o super-rico paga as custas do super-rico. Ninguém fica a dever na contabilidade da ordem cósmica, como ensinou, da sua cátedra de São Petersburgo, o franciscano avant la lettre que foi S. Francisco de Assis, santo muito depois de ser francisco.
Não se pode ser poderoso gratuitamente - esta é que é essa. Essa é que é esta! «Eles que esperem pela pancada» - dizia Frei Álvaro Pais, que de pancadas e pancadarias sabia alguma coisa, mais tarde exarada em acta pela Mesa do Santo Ofício e seus benefícios inquisitoriais.
Lisboa, 8.7.1992
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10-10-1994

HOJE ACORDEI MÍSTICO E COM AMOR A TUDO O QUE É HUMILDE

Místico assumido, recordo outras mutações da adversidade. Recentemente, quando a maior crise de intestinos me fez encontrar o Pêndulo e a obra de Guillé, quando outra crise idêntica me fez encontrar a Macrobiótica, foi sempre o amor das coisas pequenas e simples e (mas) poderosas que me atraiu.
O Arroz ontem, o Chá de Vegetais Doces agora. Mas também esta esferográfica que me permite escrever a minha gratidão para com eles, este clip que me segura os papéis, esta maravilhosa caixa de folha onde guardo o relógio quando estou na praia. Esta praia pequena e por ser pequena, bela, sossegada, magnífica, e não ser grande. Que gratidão por esta lagartixa que me visitou hoje o rectângulo mágico como que a inaugurá-lo, por esta mosca esvoaçante mas que eu tenho de expulsar ou matar, por esta aranhinha que teima em viver e tecer a sua teia.
Se estou místico, é porque estou reconciliado com tudo, mas principalmente com o que é humilde, anónimo, insignificante, facilmente espezinhával pela minha arrogância, pela cegueira da minha arrogância.
E por isso fiz as pazes com a cadela Tracy. Por isso o vento que sacode a rulote é um berço de embalar como quando a minha mãe me embalava (terei tido berço alguma vez?). Mesmo aquele pimentão tão vermelho e tão forte, que me fez reaparecer a dor no intestino, o abendiçoo. E a máscara africana de que se disse tão mal lá em casa, como eu a amo, como eu lhe estou grato e tanto mais a amo quanto mais ela me agravou a dor nos intestinos, que me levou - como que empurrado -- ao Manuel Fernandes e deste a Etienne Guillé, como se seguisse o Fio Dourado do Pêndulo. Abençoados todos, meu Deus!
Lisboa, Abril(?)/1992
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Lisboa, 13.7.1992

# NO REINO DA CUCOLÂNDIA E O PARTIDO DA QUALIDADE
# GRAÇAS A DEUS QUE TENHO DEFEITO
# VIVA OS SALDOS E OS CIGANOS

Graças a Deus e à sociedade de consumo, tens o que de outra maneira não poderias ter.
Calma, Afonsinho, calma, afinal a tua pouca sorte é a tua Sorte Grande, a tua taluda, o teu Jackpot. Acabas sempre por cair nos saldos e já sabes que um saldo (roupa ou objecto) tem sempre defeito.
Mas se não fosse esse defeito, há coisas que o teu fraco poder de compra nunca poderia comprar. Graças ao defeito, tens umas calças de sarja, que mudam de cor, é certo, a cada lavagem, mas são de sarja, sintética mas sarja.
Graças ao defeito, tens em casa gravuras (das que amas até às lágrimas) que são verdadeiras preciosidades, ou foram, quando ainda não tinham defeito.
Graças ao defeito, tens livros maravilhosos na tua estante que remontam, efectivamente, ao século XVIII.
Graças ao defeito, podes usufruir de alguns bens a que, de outra maneira, nunca terias acesso. Caga, pois, no facto de teres comprado um fato de treino que, vai-se a ver, era do tamanho de um teu provável filhote. Mas custou-te, nos ciganos, 4 mil escudos e na boutique da terra custar-te-ia quinze mil. Faz as contas, meu amiguinho, e agradece a Deus, e aos ciganos, o defeito que a sociedade de consumo põe nos objectos, produtos e artefactos para justificar os preços altos daquilo a que chama «produtos de qualidade».
Tu, Afonsinho ingénuo, que já quiseste formar um Partido da Qualidade, vês agora para que serve o conceito de qualidade (de vida) na sociedade de consumo. Graças a deus, e aos Ciganos, que cedeste à pressão da tua filhota para ires aos saldos da boutique «Autentique». E compraste uma camisola de lã por 7 mil, que te custaria, antes dos saldos, vinte mil.
E sabes porquê? Porque, quando a vestiste, logo reparaste, morbidamente como é de teu defeituoso feitio, que a dita camisola, lindíssima por fora, tinha por dentro um pequeno defeito: as malhas prendiam-se nos botões da camisa, e o processo era irreversível. Por isso é que estavam em saldo.
Mas, graças aos saldos, graças a Deus e graças aos ciganos, tiveste uma camisola da Moda, que quase te ia apodrecendo no corpo, de tal modo te afeiçoaste ao defeito dela. Vestiste-a neste Inverno e nunca mais a despiste: estás a ver como amas o defeito?
E não defendes tu a reciclagem, como o aspecto exterior imanente do karma interior transcendente?
Não foste tu o Maluco que primeiro se atreveu a defender uma «política sistemática de reciclagem», ainda a palavra era tabu e ainda não aparecia, legalmente, em anúncios de televisão como agora aparece? De que te queixas, então, oh meu Afonsinho?
Não será a Chulice, neste Reino da Cucolândia, também uma forma superior, mística e transcendente de reciclagem sistemática? No fundo eles estão também aproveitando, em saldo, as ideias com defeito que tu nem sequer, como os ciganos, puseste à venda: pura e simplesmente deste, de mão beijada, à comunidade. Não tens de que te queixar: as mil ideias com defeito que puseste na feira do relógio, andam agora por aí, ao pescoço de senhores muito importantes, borregos, marias santos e companhia. Congratula-te e não chames a polícia. Tu é que uma vez escreveste que os teus escritos não tinham copyright. Aí tens, pois: sentaram-se, abancaram e começaram a comer-te aos bocadinhos, mesmo com defeito. ■

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